sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Arteterapia e NACCI - I Etapa

O Nacci aprovou a nossa ideia, mas mais importante foi o acolhimento que recebemos das crianças. A cada novo dia de atividade, o encontro se tornava mais carinhoso e alegre. As reações positivas durante cada atividade proposta foram inúmeras e, ao passo que se sentiam mais à vontade conosco, as máscaras iam sendo deixadas de lado e as reações iam se tornando mais genuínas.

Sabíamos antecipadamente das dificuldades que teríamos, mas apostamos que, com boa vontade e seriedade, poderíamos contornar os obstáculos. Não existia um ateliê terapêutico, mas a sala utilizada para a escolinha no Nacci foi perfeita para nosso trabalho. O número de participantes era sempre uma surpresa, mas tudo se encaixou e, mesmo nos dias em que os materiais tinham que ser individuais, a quantidade de que dispúnhamos era a necessária para que todos os participantes do dia trabalhassem.

Nosso grupo mudava a cada dia, pois algumas crianças iam embora, outras chegavam e ainda havia a questão das idas para os hospitais. Recebíamos notícias dos que não estavam pelas próprias crianças. Não era possível fechar as portas durante as sessões, pois eles precisavam sair para tomar remédios e também para o lanche. Alguns acordavam mais tarde e sem disposição, e precisávamos compreender que isso e as mudanças de humor faziam parte do dia a dia deles.

Ao fazermos uma análise do grupo, percebemos que as emoções mudam com uma rapidez muito grande. A ansiedade é constante, e a maioria dessas crianças briga por um espaço e por atenção. Envolvê-los com carinho e criar o campo da confiança foi nossa primeira tarefa nesse ambiente. Não era um grupo fácil de se trabalhar exatamente pela rotatividade, mas curiosamente era um grupo que se mantinha constante nas suas características. Todos estavam ali por uma mesma razão.

Muitos refletiam com muita força características básicas da infância - alegria, agitação, entusiasmo -, mas nos deparamos também com a debilidade, as mutilações e outros quadros complicados. Optamos, desde o início, por um trabalho de inclusão e, por essa razão, não determinamos idade e não optamos por nenhum grupo específico. No projeto nós esclarecemos que as atividades seriam oficinas arteterapêuticas elaboradas com a finalidade de aliviar cargas emocionais e que todos estavam convidados a participar.

Do ponto de vista terapêutico, podemos considerar que a proposta se cumpriu com êxito, e vários momentos ficaram registrados em mais de 400 fotos que farão parte do arquivo do NACCI, revelando o processo arteterapêutico do grupo. As demonstrações de carinho e a entrega durante as sessões ratificaram o poder da arte como intermediário entre os indivíduos, propiciando maior fluidez em um processo terapêutico. Cada proposta buscou mobilizar uma questão específica, e cada material utilizado atuou como agente facilitador desta mobilização. Pudemos acompanhar o grupo e perceber que, mesmo rotativo, as características se mantêm, pois existe uma identidade grupal.

No dia 1° de julho de 2009, participei de uma reunião mensal de voluntários do NACCI e foi com imensa satisfação que ouvi o relato do presidente da instituição, Sr. Clayton Oliveira. Ele contou para os presentes que o nosso trabalho ajudou a melhorar o ambiente geral da instituição, promovendo inclusive uma mudança de comportamento nos acompanhantes. Geralmente as crianças são acompanhadas pelas mães, e, na maior parte das vezes, essas mulheres estão estressadas e descontentes por estarem ali, pois deixaram no interior outros filhos e a casa para cuidar. De acordo com o Sr. Clayton, durante a festinha que realizaram para festejar o São João, a mudança de atitude era mais que visível, tanto entre as crianças quanto entre as mães. Todos estavam muito felizes e animados e algumas mães estavam tão arrumadas e pintadas que estavam irreconhecíveis.

Esse trabalho abriu as portas do NACCI para a Arteterapia e existe já um projeto em estudo para ampliarmos o trabalho, atendendo também os acompanhantes e os funcionários da instituição.

Acompanhamos também o desenvolvimento do grupo e foi com enorme alegria que pudemos notar mudanças significativas de comportamento. Podemos citar aqui muitos casos individuais, mas visando analisar o grupo, percebemos que, nos primeiros encontros, ao dispormos os materiais para uso coletivo, eles avançavam e pegavam tudo como se a qualquer momento tudo fosse desaparecer. Nos últimos encontros já não havia essa necessidade, e eles usavam à medida que iam precisando e depois iam trocando entre si. Outro ponto importante foi a não desistência diante de uma dificuldade. Se algum deles percebia que não conseguiria cumprir a atividade, ou buscava ajuda, ou pedia outra tarefa, mas não desistiam de fazer parte do trabalho.

E talvez a melhor resposta tenha sido um dos últimos encontros. A equipe de arteterapeutas estava confeccionando um painel sobre o São João. Naquela manhã havia pouquíssimas crianças na instituição, pois a maioria tinha ido para os hospitais. De repente as crianças chegaram e, mesmo voltando de sessões de exames e quimioterapia, abriram o sorriso e fizeram questão de participar. Naquele momento esqueceram a dor, as agulhadas, os enjoos, a indisposição, pois o foco principal era o trabalho arteterapêutico.

Conclui, portanto, que a Arteterapia pode ser trabalhada em qualquer situação, mesmo que em princípio não existam as condições ideais. O resultado será benéfico se o trabalho for realizado com o cuidado de adaptar a utilização dos materiais e as propostas a demanda de cada grupo.

Ana Passaro

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